EDUARDO HELENO – Rio de Janeiro – 2010

Faz calor. É uma tarde de sol, quando me dou conta que é nove de março.  Nuvens, muito poucas, como se quisessem conspirar, se escondem longe no horizonte, debaixo da primeira montanha. O astro rei brilha, mas não ofusca nem arde tanto como nas outras tardes de verão. Aqui no Rio, ainda não é outono, mas já parece.

Desmarco, mesmo sem querer, dois compromissos. Sobra tempo para olhar o azul do céu e o verde da flora que desce o morro. Março e abril são os dois meses mais belos em minha cidade, e entendo porque, no hemisfério norte, as pessoas se encantam com a primavera. Aqui ocorre o mesmo, mesmo em outra estação. Entro em sintonia de tempo e espaço. Desligo o computador.

Recordo do tempo em que recebia cartas. Parece estranho falar delas assim de forma tão nostálgica, mas faz um pouco menos de dez anos que parei de receber correspondências pessoais em papel. Não só eu, como todo o mundo, troca seu afeto, suas angústias e suas novidades através do frio, discreto, quase imediato e sempre eficiente e-mail. Do carteiro, hoje,  apenas recebo anúncios e creio que sempre receberei contas, e nada mais.

Lembro da emoção que era ler e guardar uma carta. Abrir cuidadosamente o envelope, tocar o papel de carta como quem encontra a pessoa, rir com carinho paternal dos erros de grafia, cerrar os olhos de detetive para as palavras indecifráveis, buscando em vão achá-las no vai e vem da caligrafia. Parecia um ritual em que até mesmo os detalhes do selo, incluindo a data e o local da expedição tinham o seu charme.

A maior parte das cartas que eu recebi deve estar sob outra forma de papel reciclado. As mais tristes viraram fuligem. As mais importantes se perderam com o tempo. As mais românticas deixaram de existir e como as rosas que perdem suas pétalas, foram despedaçadas.  As mais alegres ainda ficaram. Mas o que me faz falta não são elas. Já não são novidade. O que me faz falta é o ato de recebê-las.

È ter de volta a impressão ingênua de sentir como novidade algo que li em uma carta, quando na verdade o que me escrevem ocorreu há duas, três semanas. E mesmo sabendo do lapso de tempo,  acreditar piamente nisso.